sexta-feira, 7 de março de 2008

Hait Santiago ( conto verídico )

Hait Santiago

Nas minhas pedaladas de treino, há um sítio por onde passo normalmente, que me faz sempre recuar no tempo mais de 30 anos.

Teria talvez 7 ou 8 anos, e frequentava no Verão, a Praia de Salgueiros, naquele tempo ninguém ia para o Algarve, não havia dinheiro para isso, nem o Algarve ainda estava na moda sequer.

Havia um senhor chamado Santiago, personalidade bem conhecida na minha zona, Coimbrões, um velhote castiço, daqueles que se metiam sempre em brincadeiras com os miúdos e com os graúdos, sempre em negócios, fosse vendas de livros, fosse outras coisas, sócio e espectador assíduo e atento de todos os jogos do Sporting Clube de Coimbrões, era o que hoje em dia se chamaria, um cromo.

Sempre com o característico boné de marinheiro, sempre sujo e amarrotado, assim como a roupa que trazia vestida, cachimbo no canto da boca, quase sempre apagado, mas com o estilo de um verdadeiro lobo-do-mar.

Pois em alguns verões, lembro-me de ele ter optado por passar a ocupar o seu tempo, a fazer o quê? Pois … construiu o seu próprio “barco”, ou melhor., não era um barco, era um iate, ou melhor como ele dizia, na sua pouca instrução e educação, era um Hait, o Hait Santiago. E o que vinha a ser o Hait Santiago, uma pedra no meio da praia, a que ele fez o favor de colocar uns ferros e umas cordas, a simular uma amurada de um barco real. Uns baldes de plástico resgatados ao lixo, eram a casa das máquinas, a chaminé, muitas bandeiras coloridas, com uns mastros feitos de paus de vassouras velhas e claro uma roda velha a servir de leme do barco.

Para nós, miúdos, aquilo era o máximo, andar num barco, poder ir ao leme, quando ele deixava.

Aquilo funcionava mesmo como um barco, para entrar, era preciso pedir licença ao mestre do barco, ai de quem entrasse sem ser convidado ou sem pedir licença, estava logo convidado a sair.

E cumpríamos as tarefas que nos pediam ser reclamar, lavar o convés, o que implicava ir com um balde buscar a água ao mar, não era longe, mas ainda custava evidentemente, nós não tínhamos muita força, mas íamos a todas, o que queríamos era pertencer à tripulação do barco.

O nosso Capitão, mantinha a sua postura de comandante do Barco, cachimbo no canto da boca, mão no leme, binóculos a perscrutar o horizonte, sempre atento à navegação.

Avisos, de barco a estibordo ou a bombordo, eram os gritos habituais das brincadeiras de todos, sentíamo-nos mesmo como marinheiros a sério. Eram dias bem passados.

Não sei o que foi feito do Santiago, um eterno Capitão da malta, mas acredito que a bebida em exagero ou os maus tratos da vida, o tenha levado um dia a comandar um iate ou um Hait como ele lhe chamava, na armada celestial ...

1 comentário :

  1. Fantástica história. Só mesmo tu, João. Tudo o que é bom acaba e é engraçado, como no nosso tempo de meninos, não faltavam "cromos", desses. Tambem tinhamos na minha zona "Mafamude", um ou dois desses, e agora são tão raros de avistar...
    Coisas da vida. Os yogurtes substituíram o mata-bicho e agora morremos saudáveis e sóbrios.
    Abraço

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